Descobri, numa das minhas caminhadas matinais do sábado, que a palavra “tragédia”, enquanto encenação teatral com final infeliz, gênero consagrado por Ésquilo e Sófocles, tem origem no grego “tragodia” (τραγωδια), que significa “canto do bode”. Na Grécia antiga, cantos eram entoados nas celebrações a Baco, enquanto se imolava um bode1. Aliás, não é à toa que os sátiros eram representados meio bode, meio homem, sempre com sua flauta a sussurrar mistérios no vento. Essa vinculação do trago (τραγος)s, ou bode, aos cerimoniais catárticos do rei do vinho me lembrou de um termo usado pelos surfistas na década de 70/80, que não sei mais se está em uso: ficar de bode. Relativo à ressaca pós consumo de maconha, ficar de bode, ou bodeado, era uma gíria corrente que logo se ampliou em sentido para designar um estado de letargia meio enjoada. Aparentemente este uso da palavra bode se perdeu, ou se mantém sem que eu saiba, em círculos restritos. O fato é que a juventude atual desconhece esse termo, e eu me pergunto se tomar um “trago” (bode) também não vem daí. Seja como for, a plasticidade da língua é algo de encantador, quer seja ou não, a associação do bode com o álcool, demais drogas, e os estados dramáticos que se seguem ao seu uso, válida como hipótese etimológica da língua portuguesa. Em Feira de Santana - BA, por exemplo, o Cantinho do Bode se apresenta como um dos lugares preferidos de encontro acadêmico para confraternizações de toda a natureza, mostrando talvez uma vinculação do bode com rituais de iniciação, fraternidade e congraçamento muito mais arcaicos do que possamos imaginar...
1. Comentário de Edson Bini, tradutor de “As Leis” de Platão (658c) na Edição da Edipro de 2010.