domingo, 13 de março de 2016

De volta ao rito sacrificial

Uma leitura serena de domingo, surpreendentemente des-veladora. Em “O fim do humanismo e a tarefa do pensamento”, Oswaldo Giacoia Júnior (A Experiência do pensamento, organizado por Adauto Novaes e publicado em 2010 pela Edições SESCSP) reflete sobre os efeitos da domesticação da técnica sobre o homem e a substituição da violência dos ritos da caça e da religião, pelos ritos do direito e do mercado, nos quais a imolação da vítima (ou réu) forja a identidade social.

Não há como desprezar as relações que vão se estabelecendo na leitura agradável do texto com o rito que nesse exato momento se prepara e se inicia em todo o país (a procissão), de linchamento de um pai, uma mãe e seus malditos rebentos: Lula, Dilma e os partidários do PT.

Para quem não leu Totem Tabu, onde Freud propõe a fundação da sociedade no mito do assassinato do pai da horda (onde os filhos se unem, assassinam o pai tirano, o comem e desencadeiam uma luta fratricida posterior, que a todos faz sucumbir, os levam ao arrependimento e sua divinização), as “semelhanças” (eterno retorno do recalcado) não param por aí (nem as semelhanças com a paixão de Cristo são à toa).

Desprendem-se dessa hipótese psicanalítica e resvalam para todas as nossas práticas da “moderna” socialidade, de consumo desvairado, canibalístico e cana-balístico, de tudo que surge no caminho (produtos industriais autênticos ou disfarçados, ideias, modas, pensamentos, drogas, armas e todos os animais e vegetais do planeta, tudo vindo goela abaixo dos zumbis que nos tornamos).

Como gosto de dizer: é tudo uma coisa só. Não é evolução, não é avanço. É a paralisia em um modo de funcionamento arcaico e cego. Sacrifica-se hoje, dia 13 de março, o homem comum, o trabalhador, a mãe nos quais é projetado tudo de ruim não suportado em si mesmo. Sacrifica-se o que se é, pelo desejo de ser um outro bestialmente idealizado (branco, europeu ou americano, quase nobre, inteligente, esperto, eleito). Sacrifica-se a parte melhor de si mesmo, para manter o lado perverso e ele é violento. Ele está no trânsito todo dia. Ele está no nosso lar, quando se é permissivo ou ausente com a família. Ele está na escola, quando tenta-se a todo custo obter notas que não condizem com seu desempenho. Ele está na desvalorização do outro (que no fundo sou eu) diferente: o negro, a mulher, o índio, o nordestino, o pobre. Lula representa o pobre e Dilma a mulher. E, quanto ódio despertam. Essas são as vítimas que se quer imolar, os demônios que se quer exorcizar, em um ritual de indignação fingida, vítimas da enorme violência estrutural na qual nossa sociedade se funda: sociedade de pobres migrantes que assassinaram os nativos de um lindo paraíso, tomaram sua terra e bens, e os escravizaram. E ainda sequestraram outros povos para também os escravizar. Isso acontece porque, no imaginário, a vítima sempre retorna para cobrar os crimes contra ela praticados, daí os ritos, a eterna imolação, como se não bastasse o primeiro mal. Não, ele tem que se repetir e se repetir, se alimentar de si mesmo ad infinitum, porque não se assume como faceta a ser transformada, limpa, esvaziada do seu poder de magoar e destruir.

Então, não é de estranhar essa violência e ódio cotidianos que cresce na alienação imposta (a verdade dói), na guerra de todos contra todos, na frustração pelo não alcance de um padrão de consumo que é inalcançável. E na luta de classes que ora nos divide (a divisão em classes já é por si violenta). Não vou para a rua nesse dia (deixo isso para o povo do TFP e afiliados). Não me farei de vítima sonsa (aquela que sonega impostos, explora os empregados, viola as leis do trânsito, manipula os outros para satisfazer seus prazeres espúrios, que é global, bandida que se faz mocinha, atriz-ator de novela brega, cantora sem qualquer talento, socialite ostentação, “jornalista”, o cara, mentiroso, falso e cínico). Nem serei algoz de ninguém (abusar do poder que se tem é a pior de todas as fraquezas mas, e a vaidade, essa fraqueza última, onde fica?). Comerei o pão e beberei o vinho, olhando as árvores e os pássaros que restam felizes e inocentes, no meu quintal. Esse é o melhor de todos os rituais. Ainda estou viva. Testemunha cética de um mundo que se esvai.

Que esse texto violento-calmo fale forte-suave na consciência leitora e a desperte para o seu redor e para si. Somos todos ambiguidades e certezas mal compreendidas. 

domingo, 24 de janeiro de 2016

Nós, Trabalhadores!

Nós fizemos tantas coisas. Construções, tecnologias, artefatos. Criamos uma nuvem de informação que atravessa gerações e nos permite avançar e criar, mais e mais.
Nós desfizemos muitas coisas também. Maltratamos vegetais e animais, rios e solos, ameaçando todas as formas vivas. Talvez ainda tenhamos tempo de nos mantermos fiéis às coisas boas que as gerações anteriores nos legaram e superarmos os maus legados.

Nós, trabalhadores, temos que assumir nosso destino e fazê-lo mais coerente com o que somos: seres capazes de abrir mão de toda nossa voracidade. Seres capazes de gastar horas contemplando o sol, a lua e as estrelas, as montanhas e o mar. Seres dispostos a não comer e beber só para estar perto de quem amamos. Seres que amam trabalhar para que outros seres sejam melhores, mais saudáveis e mais felizes.  Quem é capaz disso, é capaz de tudo.

Nós, trabalhadores, criamos tudo que é humano neste mundo. Mas, estamos perdendo o sentido do que seja humano, e do que seja trabalho. Estamos nos vendendo muito barato: por uma marca de carro, um picolé, um sapato, um pó branco ou pedra dourada. Temos muito, mas muito mais valor do que todas essas coisas fugazes, porque todas elas se vão e nossas palavras e atos permanecem... com todas as suas conseqüências, até o momento derradeiro.
Caminhamos cegos para o desfiladeiro. Ainda haverá tempo para despertar deste sono irracional e trabalharmos por nós mesmos? Por nosso mundo? Nós somos o mundo que criamos. Nós somos o mundo que destruímos, burramente, a cada minuto.

TChris
18 de outubro de 2014


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