sábado, 22 de agosto de 2009

A colher

Quando vemos pela primeira vez uma colher,
ela já nos é,
há muito,
familiar...
Ela nos penetrou boca a dentro
dura, metálica,
a trincar nos dentes.
Ela passeou nas mãos
sujas do gosto
e da saciedade.
Ela saltou no chão,
igualmente duro,
em cambalhotas...
Quando o observador se vê diante de uma colher, ele apenas a re-conhece com o intelecto, aquilo que já foi
saber dos sentidos.
Antes eram, ele e a coisa - das Ding,
um só impulso e movimento - der Trieb.
Agora ela o desdenha, e o desafia, em sua indiferente diferença.
Em sua incerteza: é ou não é?
Mas ele quer que seja.
Ele, no seu nômade desejo,
ainda sim, quer... o retorno
da velha e rebelde colher.

domingo, 16 de agosto de 2009

Cidades

Corredores de ventos
a recolher vestígios
de gentes

Cheiros e restos
a espalhar sentidos
diversos

Cores e pedaços
a brilhar despidos
de mentes

Cidades sãs
Cidades sim
Cidades sem ... solução
Cidades sem ... saudade
Vans cidades

sábado, 15 de agosto de 2009

Domingo, pé de cachimbo...

Ar morno que chega tão de leve beijando a fronte. Ainda bem que não mandei tirá-la, aquela árvore daninha, feia, que só de grande começou a dar umas frutinhas vermelhas atraindo os pássaros mais diferentes, desde aquele “quepenininho”, como diria Dani-mirim, gordinho e amarronzado, até o cinza mais grandinho de bico fino, e os grandões mascarados de papo amarelo. Já reparou como os passarinhos são rápidos? Não param quietos. A vida deles é veloz. Da rede os observo a pouco mais de um braço estendido, bicando a fruta ainda verde que não desgruda. Assim vão eles, testando a natureza. Tenho vontade de ouvir música, mas sou vencida pela delícia dos sons de tarde da minha janela. Espero já há algum tempo ver repetir-se aquele chiado típico de fazenda, lembrando vagamente o canto da cigarra, que me faz vagar na memória dos meus nove anos. Por que me sinto entranhada nesse período dos primeiros meses que cheguei a Dias D’Ávila? Período da casa alugada em frente ao trilho do trem? Da menina que morava do outro lado e tinha uma boneca de papelão com imã, onde se podiam grudar roupinhas? Do passeio na carroça puxada a trator nos levando até Amado Bahia, onde ainda descansava, semi-coberto pelo matagal, o antigo Matadouro, restos mortais da enorme fazenda que um dia havia sido do meu bisavô, e que entrava, lenta e justamente, na posse dos habitantes da terra? Restos de uma riqueza devoluta (Mata d’ouro). Talvez ficasse eu-menina, impressionada com a história, contada pelos garotos locais, da grande jibóia de mais 10 metros que habitava as ruínas. Foi nesse mesmo passeio que vi de perto, pela primeira vez, uma roseira. Uma roseira num jardim cimentado. Tão estranho, este jardim, quanto um certo silêncio, ou clima, que impregnou minha alma desde então. Um silêncio que vale ouro e mata o tempo. Sintetiza o ser e ente marginal que sou, a fugir das cobranças, das prisões, da serpente, que engole gente e aprisiona os dias nas entranhas. Eu, velha jibóia desassombrada, sigo o estalido das folhas secas enfeitiçada pelos gritinhos assanhados dos passarinhos. Estes sons me chamam, a menina e as rosas pálidas me chamam, mas eu só quero marejar calma na minha rede de sonhos... fugir de mim. Delicioso Domingo.

Cacete

Objeto de madeira utilizado como arma.
Com o acréscimo da sílaba "te" designa objeto similar para uso específico da polícia civil ou militar no ataque/defesa contra a população civil insubordinada.
Deu origem à expressão "baixar o cacete", que significa bater, falar mal, brigar.
Na Bahia é pão de sal longo, também chamado "vara", "bisnaga".
Mais popular são os "pães cacetinhos" consumidos com manteiga, queijo derretido, tomate e alface...
Adjetivo sinônimo de muito, bom demais, coisa boa, como na frase “Bom pra cacete”. Ou "Do cacete".
Adjetivo sinônimo de “coisa nenhuma”, “uma ova”, “de jeito nenhum”, como na frase “Bom o cacete”.
Adjetivo sinônimo de gente chata, que nem eu, com falta do que fazer...

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Vencedores e Perdidos

Porque estamos sujeitos ao desequilíbrio do mundo? Desequilíbrio equilibrado. Falo dos sucessos e dos fracassos que alguns acumulam mais que outros, em proporções, amplitudes, as mais variadas. Procuro um consolo na idéia de que se só houvessem sucessos na minha vida me tornaria uma pessoa prepotente e arrogante. Ainda bem que existem os fracassos para baixar a bola da gente. Então hoje foi um daqueles dias de fracasso doído, quando as dificuldades de se trabalhar em equipe, de depender de outros, de ter que coordenar te desafiam para além dos limites. Pois tudo o que se quer e se fez a vida inteira foi funcionar em cima dos pedidos dos outros. Preciso disso, tome aqui. Você aperfeiçoa o seu peixe, engorda, ensina truques, doura a pílula, mas ela continua valendo o que o mercado dá. Aí você muda de ramo. E tem que penar pra aprender as novas regras, os macetes. E tem que aprender a avaliar outros. Julgar, segundo objetivos que nem sempre são seus. Então eu vi os 5 garotos saírem depois de 10 dias em que o sonho foi se aproximando, devagar, até os tocar. Você comanda uma guerra de uns contra outros. Uma corrida de obstáculos: preenchimentos on-line, contatos, exigências mis, roda, "mas é assim, mas não é assim". E tudo termina na beira da praia. Os meninos se vão desolados, sem suas bolsinhas de pesquisa. São estudantes, alguns de baixa renda, ou quase isso, que deram um pouco mais que duro pra entrar na faculdade. Ótimos alunos. Você alimentou o sonho e não pôde realizar. Você viu 5 meninos que deveria cuidar se irem perdidos na sua desolação. Quase tão perdidos quanto você mesma. E seu eu fracassado se solidariza ainda mais com eles. Seu eu anti-fracasso, anti-classificações, pacífico e amante da diferença, da tolerância, se rebela contra qualquer forma de racionalização idiota que se cala perante uma verdade única, que é a sua cumplicidade com o desequilíbrio injusto do mundo. E você se (a) sujeita ainda assim.

Você, poesia

Se o amor é dor
És a morfina
Entrando doce
Na minha viciada veia...

Se o amor é peso
És a pluma
A pairar soberba
Acima de intrincada teia...

Se o amor é dúvida
És a certeza vadia
Alegre quimera
Que me quer... poesia.