Não escrevo nada para convencer ninguém. Escrevo para que saibam o que penso sobre o que outros pensam. Pensando sobre o que o outro pensa, repenso meu saber sobre mim, sobre o outro e sobre as coisas do mundo. Escrevo sobre o mundo, como ele a mim se mostra. E mostro esse mundo aos outros como quem pergunta: vês o mesmo que eu vejo? O que vês que não vejo? Mas de que outro(s) falo? Falo desse outro com quem falo. Falo com quem consegue ler. Mesmo que seja uma pura imagem. Falo com esse outro, estranho logos, que pensa por mim...
quarta-feira, 17 de janeiro de 2018
domingo, 13 de março de 2016
De volta ao rito sacrificial
Uma
leitura serena de domingo, surpreendentemente des-veladora. Em “O fim do
humanismo e a tarefa do pensamento”, Oswaldo Giacoia Júnior (A Experiência do
pensamento, organizado por Adauto Novaes e publicado em 2010 pela Edições
SESCSP) reflete sobre os efeitos da domesticação da técnica sobre o homem e a substituição
da violência dos ritos da caça e da religião, pelos ritos do direito e do
mercado, nos quais a imolação da vítima (ou réu) forja a identidade social.
Não
há como desprezar as relações que vão se estabelecendo na leitura agradável do
texto com o rito que nesse exato momento se prepara e se inicia em todo o país
(a procissão), de linchamento de um pai, uma mãe e seus malditos rebentos: Lula,
Dilma e os partidários do PT.
Para
quem não leu Totem Tabu, onde Freud propõe a fundação da sociedade no mito do
assassinato do pai da horda (onde os filhos se unem, assassinam o pai tirano, o
comem e desencadeiam uma luta fratricida posterior, que a todos faz sucumbir, os
levam ao arrependimento e sua divinização), as “semelhanças” (eterno retorno do
recalcado) não param por aí (nem as semelhanças com a paixão de Cristo são à
toa).
Desprendem-se
dessa hipótese psicanalítica e resvalam para todas as nossas práticas da “moderna”
socialidade, de consumo desvairado, canibalístico e cana-balístico, de tudo que
surge no caminho (produtos
industriais autênticos ou disfarçados, ideias, modas, pensamentos, drogas, armas
e todos os animais e vegetais do planeta, tudo vindo goela abaixo dos zumbis
que nos tornamos).
Como
gosto de dizer: é tudo uma coisa só. Não é evolução, não é avanço. É a
paralisia em um modo de funcionamento arcaico e cego. Sacrifica-se hoje, dia 13
de março, o homem comum, o trabalhador, a mãe nos
quais é projetado tudo de ruim não suportado em si mesmo. Sacrifica-se o que se é, pelo desejo de ser um outro bestialmente idealizado (branco, europeu ou americano, quase nobre, inteligente, esperto, eleito). Sacrifica-se a parte melhor de si mesmo, para manter o lado perverso e ele é violento. Ele está no trânsito todo dia. Ele está no nosso lar, quando se é permissivo ou ausente com a família. Ele está na escola, quando tenta-se a todo custo obter notas que não condizem com seu desempenho. Ele está na desvalorização do outro (que no fundo sou eu)
diferente: o negro, a mulher, o índio, o nordestino, o pobre. Lula representa o
pobre e Dilma a mulher. E, quanto ódio despertam.
Essas são as vítimas que se quer imolar, os demônios que se quer exorcizar, em
um ritual de indignação fingida, vítimas da enorme violência estrutural na qual nossa sociedade
se funda: sociedade de pobres migrantes que assassinaram os nativos de um lindo
paraíso, tomaram sua terra e bens, e os escravizaram. E ainda sequestraram
outros povos para também os escravizar. Isso acontece porque, no imaginário, a vítima sempre retorna para cobrar os crimes contra ela praticados, daí os ritos, a eterna imolação, como se não bastasse o primeiro mal. Não, ele tem que se repetir e se repetir, se alimentar de si mesmo ad infinitum, porque não se assume como faceta a ser transformada, limpa, esvaziada do seu poder de magoar e destruir.
Então,
não é de estranhar essa violência e ódio cotidianos que cresce na alienação imposta (a verdade dói), na guerra de todos contra todos, na frustração pelo não alcance de um padrão de
consumo que é inalcançável. E na luta de
classes que ora nos divide (a divisão em classes já é por si violenta). Não vou
para a rua nesse dia (deixo isso para o povo do TFP e afiliados). Não me farei
de vítima sonsa (aquela que sonega impostos, explora os empregados, viola as
leis do trânsito, manipula os outros para satisfazer seus prazeres espúrios, que é global, bandida que se faz mocinha, atriz-ator de novela brega, cantora
sem qualquer talento, socialite ostentação, “jornalista”, o cara, mentiroso,
falso e cínico). Nem serei algoz de ninguém (abusar do poder que se tem é a
pior de todas as fraquezas mas, e a vaidade, essa fraqueza última, onde fica?).
Comerei o pão e beberei o vinho, olhando as árvores e os pássaros que restam
felizes e inocentes, no meu quintal. Esse é o melhor de todos os rituais. Ainda
estou viva. Testemunha cética de um mundo que se esvai.
Que
esse texto violento-calmo fale forte-suave na consciência leitora e a desperte
para o seu redor e para si. Somos todos ambiguidades e certezas mal
compreendidas.
domingo, 24 de janeiro de 2016
Nós, Trabalhadores!
Nós fizemos tantas coisas. Construções, tecnologias,
artefatos. Criamos uma nuvem de informação que atravessa gerações e nos permite
avançar e criar, mais e mais.
Nós desfizemos muitas coisas também. Maltratamos vegetais e
animais, rios e solos, ameaçando todas as formas vivas. Talvez ainda tenhamos
tempo de nos mantermos fiéis às coisas boas que as gerações anteriores nos
legaram e superarmos os maus legados.
Nós, trabalhadores, temos que assumir nosso destino e
fazê-lo mais coerente com o que somos: seres capazes de abrir mão de toda nossa
voracidade. Seres capazes de gastar horas contemplando o sol, a lua e as estrelas,
as montanhas e o mar. Seres dispostos a não comer e beber só para estar perto
de quem amamos. Seres que amam trabalhar para que outros seres sejam melhores,
mais saudáveis e mais felizes. Quem é
capaz disso, é capaz de tudo.
Nós, trabalhadores, criamos tudo que é humano neste mundo.
Mas, estamos perdendo o sentido do que seja humano, e do que seja trabalho. Estamos
nos vendendo muito barato: por uma marca de carro, um picolé, um sapato, um pó
branco ou pedra dourada. Temos muito, mas muito mais valor do que todas essas
coisas fugazes, porque todas elas se vão e nossas palavras e atos permanecem...
com todas as suas conseqüências, até o momento derradeiro.
Caminhamos cegos para o desfiladeiro. Ainda haverá tempo
para despertar deste sono irracional e trabalharmos por nós mesmos? Por nosso
mundo? Nós somos o mundo que criamos. Nós somos o mundo que destruímos,
burramente, a cada minuto.
TChris
18 de outubro de 2014
Pressão
Pressão
prensa
prensado
apressado
sem pressa
presságio
press
pré
pró-ximo
cimo
cisma
sua
psiu!
TCuide
prensa
prensado
apressado
sem pressa
presságio
press
pré
pró-ximo
cimo
cisma
sua
psiu!
TCuide
terça-feira, 7 de julho de 2015
Palavras e Afetos
Uma coisa boa de ser psiquiatra e
psicanalista está na relação tranquila que somos forçados a desenvolver em
relação aos afetos e à linguagem. Aprendemos que a palavra tem uma força
incrível, mas não deve ser temida, só enfrentada. Explorada em toda extensão
possível, assim como os afetos. Sinto ódio, sinto amor, a que se deve? O medo
das palavras é muito antigo, é tribal. Está no pensamento mágico que lhe
atribui um poder desmesurado. Jung trabalhou muito bem nessa linha, entre a
psicanálise e a antropologia, entre a ciência e a religiosidade, vasculhando os
arquétipos. Deixei a prática da psiquiatria e da psicanálise, mas elas me
marcaram profundamente de maneira que ocorre, por vezes, um estranhamento social
quando esta posição mais livre em relação à linguagem e aos afetos se manifesta
cotidianamente. No meio acadêmico isso fica mais marcado, pois é um meio onde o
discurso e as condutas seguem certos rituais de prudência e pudor. Gosto muito
de Mário Testa quando ele fala da necessária coerência entre pensar, sentir,
dizer e atuar, mas penso no quão difícil isso pode ser. Nos obstáculos que
enfrentamos para sermos autênticos e coerentes sem perdermos a credibilidade,
nem fazermos muitos inimigos. Sem assustarmos os pobres mortais: nós.
A questão é que amo jogar com as
palavras e viver os afetos. Amo a língua, esse código doce-estranho em mutação
constante e desafiadora. Amo o português. E me deixo atrair por outras línguas,
raízes e histórias. Por outro lado, morro de medo que o português perca sua
singularidade e seja absorvido pelo inglês. É uma besteira, dizem. Acontece que
não aceito que percamos nosso modo de pensar, específico. Pensar no português.
Esse medo quase me paralisou quando fiz o pós-doc na Inglaterra. Depois, fui
trabalhando isso em mim. Acho que superei o medo. Não o desejo de proteger
nossa língua e nossa sociedade, mas o medo da opressão cultural. Passei a
considerar que a melhor maneira de lutar contra essa opressão é escrever em
português. E dizer o que eu penso - porque sou capaz de pensar, concordar e
discordar e O SABER É UMA REGIÃO DE NINGUÉM, sendo de todos. Dizer meu
pensamento pensado por tantos outros, mas pensado particularmente por mim e no
MEU português, que é uma mistura do falar das ruas e dos livros. Decidi tratar
o inglês com objetividade, mas sem subserviência.
Falava dos afetos, das palavras e
das coisas, sem pensar em Foucault (mas já, inevitavelmente, pensando), meu
autor querido. Digo agora, para que me entendam melhor, e eu desejo isso, esse
entendimento de uma posição existencial, que a superficialidade ou a
profundidade das idéias não necessitam estar submetidas a nenhuma regra externa
ao próprio entendimento. Ainda que o faz de conta mimético das eras passadas
esteja colado em todas as entranhas do nosso pensamento e a performance, a
retórica, cobre seu preço, ou tenha sua utilidade, não é possível para qualquer
ser pensante deixar-se ficar contido por ele de tal forma a ignorar a lógica e
o bom senso.
Pois quando falo, as palavras me
pertencem, a ninguém mais. Do mesmo modo que quando ouço ou leio. Assim,
palavras e afetos são só meus, porque a partilha do objeto (língua, ideia,
emoção) tem sempre algo de totalmente particular e incompartilhável. Essa
afirmação parece circular, mas não é. Ela escapa, desliza, se observarem bem.
Palavras e gestos são pétalas, farelos ou germes lançados ao vento e recolhidos
de maneira muito específica por cada ser vivente, e talvez até pelos não
viventes, pois uma rocha recebe a vibração da voz humana e se espatifa ao
receber sua força de construção ou desconstrução. Uma vez recebidos e
deglutidos, sofrem novo processo de ruminação e apropriação, ficando
armazenadas ou sendo recombinadas em um sentido privado, para uso, na maioria
das vezes, coletivo. E vão-se formando as redes de comunicabilidade humana,
dessa forma, com suas continuidades e descontinuidades naturais ou artificiais.
Então, a escolha das palavras e as ações propositivas não podem se render tão facilmente às expectativas desenvolvidas pelas práticas calcificadas da técnica e da socialidade obtusa. Embora isso frequentemente aconteça.
Lembro de um mestre que não me
permitiu usar a palavra “maternagem”, pois rimava com “sacanagem”. Fazia uma
censura amorosa para me proteger da maldosa censura acadêmica. Como eu mesma,
talvez em contradição com meu pensamento, faço com meus próprios orientandos.
Trata-se, às vezes, até, de uma censura baseada no gosto, essa que eu pratico.
Detesto, por exemplo, a palavra “hodiernamente” e lá vou cortando ela dos textos
dos meus aprendizes de feiticeiro. Mas o
que esta palavra me fez? Nada, que eu saiba. Somente me parece pretensiosa.
Certamente, transfiro para ela sabe lá quais afetos ou mágoas não hodiernas.
Aliás, analisando agora, parece que tem algo aí: h – odi – erna. Odi-o. Odeio o
ódio. Ha-hahaha. Deve ser isso. Ou seja, é muito fácil se emaranhar nas
estruturas herdadas que não se comunicam entre si e produzem ações com
motivações inconscientes.
sábado, 9 de julho de 2011
Ao bode com louvor
Descobri, numa das minhas caminhadas matinais do sábado, que a palavra “tragédia”, enquanto encenação teatral com final infeliz, gênero consagrado por Ésquilo e Sófocles, tem origem no grego “tragodia” (τραγωδια), que significa “canto do bode”. Na Grécia antiga, cantos eram entoados nas celebrações a Baco, enquanto se imolava um bode1. Aliás, não é à toa que os sátiros eram representados meio bode, meio homem, sempre com sua flauta a sussurrar mistérios no vento. Essa vinculação do trago (τραγος)s, ou bode, aos cerimoniais catárticos do rei do vinho me lembrou de um termo usado pelos surfistas na década de 70/80, que não sei mais se está em uso: ficar de bode. Relativo à ressaca pós consumo de maconha, ficar de bode, ou bodeado, era uma gíria corrente que logo se ampliou em sentido para designar um estado de letargia meio enjoada. Aparentemente este uso da palavra bode se perdeu, ou se mantém sem que eu saiba, em círculos restritos. O fato é que a juventude atual desconhece esse termo, e eu me pergunto se tomar um “trago” (bode) também não vem daí. Seja como for, a plasticidade da língua é algo de encantador, quer seja ou não, a associação do bode com o álcool, demais drogas, e os estados dramáticos que se seguem ao seu uso, válida como hipótese etimológica da língua portuguesa. Em Feira de Santana - BA, por exemplo, o Cantinho do Bode se apresenta como um dos lugares preferidos de encontro acadêmico para confraternizações de toda a natureza, mostrando talvez uma vinculação do bode com rituais de iniciação, fraternidade e congraçamento muito mais arcaicos do que possamos imaginar...
1. Comentário de Edson Bini, tradutor de “As Leis” de Platão (658c) na Edição da Edipro de 2010.
sábado, 31 de julho de 2010
Experimentos heidegerianos de sentir
Meses de nada e eis um ovo.
Toda forma de conhecer é um sentir. A percepção aos estímulos se manifesta através de um sentir da mesma forma como a percepção da reação nossa aos estímulos, o que se chama senti-mento. O sentimento básico diante do mundo é a indiferença. De início existe apenas o ente absoluto que é presença e plenitude. Mas, de repente, uma outra presença – ente se impõe. Esta presença é a dor. Ela muda a situação e impõe ao ser que era antes plenitude absoluta a queda no desespero. O ente age cegamente. Excita-se de todas as formas, e de pronto, tudo cessa. De novo a paz. Esse ciclo se instala de tal forma que a memória já “espera” o des-equilíbrio que logo vai vir. Uma coisa que se inter-põe entre aquele estado inicial pleno e o estado de agora, criando uma diferença. Entre a plenitude e a dor existe alguma coisa. Que coisa é essa? Existe uma terceira coisa: um enigma. A terceira coisa é um enigma. Agora sabemos ser esta coisa uma distância, uma dimensão que separa um ente de outro, que se interpõe entre os entes, que não é nem um nem outro, e que chamamos vazio. O vazio é o terceiro ente. Mas o primeiro ente, que era plenitude, ainda não sabia disso antes do ciclo se iniciar. Só existia para ele o passado (bem-estar) e o presente (dor). Quando a dor se instala ela impera absoluta. Nada mais existe, nem o passado. A dor é um presente absoluto. Apenas quando cessa esse estado, e se retorna a um estado semelhante ao primeiro, é que este primeiro, enquanto oposto ao segundo, será percebido enquanto tal. A questão de Heideger é que o nada é a origem da negação e não o contrário. Mas, o fato do nada estar “na” origem não significa que ele seja “a” origem. Que a negação tenha vindo dele. Não. A origem do "não" está no próprio ente que se desdobra em ausência re-presentada. Será mesmo?
Assinar:
Postagens (Atom)