sexta-feira, 26 de junho de 2009

Obá lua aê


Lia sobre os mitos dos orixás. As relações tão estreitas com a natureza. Homens valentes e mulheres ciumentas agora deuses protetores. A religiosidade humana é algo que me espanta. Acho tão engraçado a idéia da oferenda, essa tapeação do Deus. Eu tenho uma pena tão grande de nós humanos. Nosso desamparo primordial, secundial, tercerial... desampara o universo. Eu tenho uma pena tão grande do universo, porque ele é lindo e aluado, como o homem. Quando eu falo universo quero dizer estrelas brilhantes contra um fundo negro azulado. As estrelas são lindas de longe e mortais de perto, como o homem. Queimam tudo que passa por perto. Eu tenho pena de mim, que não sei tapear ninguém. Atotô, meu pai!

quinta-feira, 25 de junho de 2009

O trem X

Só conseguimos pensar o impossível porque a possibilidade está dada dentro de nós. Ou, não nos é dado a possibilidade de pensar o impossível. Embora digam por aí que só dentro da tradição da academia se possa pensar filosoficamente, ou até que no Brasil não há filosofia. Eu mesma ouvi, eu e o auditório de Direito da UFBA, direto da boca da Agnes Heller, discípula de Lukács: “Porque vocês querem ser bons em tudo? Não já são bons em música, futebol?” Bom, ela quase não sai viva de lá. E eu, saí como Caetano, humilde, ciente que jamais seria filósofa. Minha teimosia, entretanto, contradizendo as impossibilidades concretamente argumentadas, vive a forjar lançamentos. Um verdadeiro Cabo Canaveral Tupiniquim. Faço exatamente da forma como sempre quis fazer: a partir da história. Do caos. Da colcha de retalhos. Abandono os métodos não os abandonando de fato. Porque os métodos fazem parte do meu esquema cognitivo mais remoto, eles me perseguem, brigam entre si, terminando prisioneiros de alguma hegemonia construída por afinidades a cada processo, a cada passo, de forma inicialmente confusa, clareando a seguir, em movimentos de frente e fundo, de difícil apreensão na sua totalidade. Digo o seguinte: quero liberdade de pensamento, mesmo a sabendo restrita, pois só dessa forma será possível ultrapassar a minha enorme deficiência cultural, historicamente dada e filosoficamente comprovada. Uma vez dito, simplesmente aposto que posso ser mais do que sou, e jogo todas as cartas nessa hipótese. Aposto que sou um gênio incompreendido das ciências humanas e vou descobrir o segredo da vida e do universo. O gênio vem, prepara-se para baixar, tomar meu corpo.
Sou arremetida para um lugar distante, para um dia em fins de 1978, ou início de 79. Foi um momento de impacto aquele. Tinha a mania, a qual preservo de forma atenuada, de quase não comer pela manhã. Eu estava em pé e as cores tornavam-se esbranquiçadas. O chão fugia. O som se distanciava lentamente, e uma razão imperativa me mandava sentar. À minha frente, um sapo imobilizado tinha sua coluna seccionada. Ele havia sido anestesiado com um algodão embebido de certa substância, e se encontrava crucificado (braços e pernas amarrados) com o coração exposto, batendo. Pois estava vivo. Sem saber, é claro, mas vivo, aberto na sua intimidade orgânica.
Passado aqueles momentos de aflição (eu viveria outros semelhantes estrada a fora, ahhh viveria), a atenção enfim sairia do mal-estar corporal se dirigindo para a fala da mulher operária, cirurgiã de batráquios, a professora. Ela dizia, imagine o espanto dos jovens, que os homens tinham um clitóris hipertrofiado como forma de ajudar os espermatozóides a fugir da degradação do ambiente, uma vez que a natureza havia trazido, na espécie humana, os óvulos cada vez mais para o ambiente, quente, úmido e protegido do interior feminino, e blá, blá, blá. Então o crescimento desse clitóris era o resultado de muitas tentativas de chegar lá ... Ela dizia, e eu podia, minto, posso, pois que ela não disse tudo isso aí não, disse metade, imaginar esse crescimento ao longo da evolução das espécies, a mulher levando a memória da espécie para dentro e o homem se esticando, se esforçando para acompanhar, penetrar. Aliás, porque "penetra" na língua portuguesa se refere a alguém que entra onde não foi convidado, isso eu não sei, mas posso igualmente mirabolar.
Voltando então à linha do trem, e ao momento que a locomotiva me pegou de frente, posso ver a trajetória desse pensamento pelo ar, caindo naquela árvore, naquele galho vazio, onde a genética mostrava outro fato inusitado, que consistia na irremediável "falta" masculina: a quarta perninha do xis.
A idéia da incompletude masculina como origem de comportamentos aparentemente inexplicáveis como, por exemplo, uma quase total incapacidade para cortar a própria unha do pé. Tanto é que, existem cabeleireiros, barbeiros, mas não existe manicure ou pedicure homem.
Agora, o que tem a ver a incompletude do “y” com o diagnóstico tão reservado daquela mulher marxista sobre nossa incapacidade cultural de pensar?
Vamos abrir um parágrafo reflexivo. Na Bahia nós pensamos preferencialmente em redes, substitutos perfeitos do sofá e do divã, tomando café em caneca, ou deitados em baixo dos cortinados de filó, daí o verbo filo-sofar adquirir aqui conotações ligeiramente diferentes que em outros cantos do planeta. Os pensamentos nos chegam pelo vento Noroeste, se não me engana minha geografia, depois de percorrer as costas cálidas da ontomãe África, e se infiltram na alma, como perguntas. Dúvidas sobre questões que já intuímos as respostas. Pois só se pergunta o que se sabe de antemão.
O sapo sacrificado não é apenas a origem de toda possibilidade, mas a prova cabal da maldade imanente do querer tudo: saber, ser, ter. Eu dispenso um conhecimento que desconhece a vida. Na minha memória uma cena ecoa: inúmeras turistas da Indonésia pisoteando as tulipas só para tê-las vivas em uma foto. Matam plantas por uma foto. Matam peixes também. Aliás, isso até parece uma besteira, eu estar me indignando por tão pouco. O que é um sapo, uma tulipa, um peixe, um homem com seu “x” capenga?
Detenho-me, imobilizada. O trem descarrilhou.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Seria o BLOG uma catarse virtual?

Polemiza Ila num comentário lá de baixo... Ela diz: "... pois ele não é mais um recurso virtual de entretenimento e relações sociais, é uma diário público, cujas afetações transbordam o corpo e respingam nesse "papel de vidro". Poxa! Linda metáfora. Mas eu nunca pensei sobre os Blogs porque fui da era dos Fóruns e dos Chats, até me encher deles... há uns 7 anos, por aí. O Blog é de uma geração de internautas mais recente. Começou a bombar quando eu já me desinteressava das navegações virtuais. Mas, eis que um dia, inteiramente por acaso, vou parar num Blog acadêmico e me pergunto: por que não faço um? Aí testei a ferramenta e fui fazendo o bichinho... tem menos de duas semanas. Agora tenho que alimentar ele, conhecer suas potencialidades, testar efeitos, observar riscos, pesar consequencias. Em verdade, busco há tempos um veículo dessa natureza. E já venho maturando o que aqui desejo colocar: coisas bombásticas. Mas, devo ir devagar. Sentir a receptividade ao diálogo, o interesse da platéia, por diminuta que seja, tem que ser crítica, senão fica chato. Antecipo que o tema sobre o TEMPO é meu grande quebra-cabeça e, aparentemente, é aqui que vislumbro a possiblidade de poder tratar disso. Estou me armando de coragem... Afinal, as rejeições doem... e rejeitarem nossas idéias, quando fazemos dela objetos amorosos, é duro. Daí a necessidade de aprender a divergir, aprender a ensaiar, aprender a acolher com humildade as outras perspectivas. Infelizmente, o espaço acadêmico, em geral, ao contrário do que deveria, não possibilita isso. Os egos que lá habitam são frágeis. Frágeis porque lhes faltam, exatamente, essa prática, esse treinamento. O Blog pode ser um instrumento de catarse sim, de expressão do eu, de reconfiguração das identidades, mas pode ser também uma forma de buscar parceiros do pensamento, das idéias. Buscar uma forma de parceiria mais livre, que inclua as vivência acadêmicas podendo transcendê-las, libertando os laços nela existentes dos formatos padronizados e pouco criativos, rígidos, mas, não necessariamente rigorosos. Além disso, o Blog, diferentemente das publicações tradicionais, ele pode ser reescrito, corrigido, suprimido, é vivo. Trata-se de amor novo... Então, no momento, tudo são flores... daí as tulipas. Agradeço enormente a qualquer um que se sinta estimulado por qualquer frase, comentário, e queira tratar disso, claramente ou de forma enigmática... Não importa. O que interessa é se permitir dizer. Que minha "coragem" consiga sensibilizar para as grandes questões da vida, do trabalho e da saúde, é o que eu desejo.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Um olho na história

Visitando certa revista, refleti sobre o que vem sendo nos últimos dois meses minha maior fonte de gratificação. Aquilo que origina bons pensamentos, um lugar onde se pode refugiar antes de dormir. Esse lugar-refúgio tem sido um livro sobre a história de Constantinopla, e sua série interminável de governantes. Cidade grega, depois romana (mas mantendo a base populacional grega), viveu até o período otomano uma grande miscigenação, invadindo e sendo invadida, se reconstruindo nessa paisagem (landscape) por dois mil anos (Bizâncio 658 AC- Istambul 1453 DC), período que até então eu “visitei” como turista da história, pois me encontro em meados de mil e seiscentos... O livro, ao fazer esse tour panorâmico, deixa ver, aqui e ali, através de estratos de cronistas famosos, ou pela síntese do autor, aspectos interessantes, um dos quais eu quero aqui reportar e dividir com os que, como eu, se alimentam da vida dos que já foram. Mas, entendam, não se trata de necrofilia ou algo parecido, se trata da vida que permanece em memória, em costumes, hábitos, registros, monumentos (Foucault que me perdoe se pareço o trair), objetos-restos de um processo que se dispersa pelo vento guloso, aquele que no seu movimento, traga a tudo e a todos. O mistério dessa vida perdida me encanta naquilo que se chama resistência e que escapa a esta voracidade dos tempos, insinuando-se nas estruturas, desafiando as leis dos homens e dos deuses. Bom, filopoesia à parte vamos à tal história: as corridas de cavalos com suas facções de torcida verde, azul, branca e vermelha. Essas facções foram se constituindo em relação com as associações profissionais, as guildas, e tinham características de classe e de religião. Assim, como o Bahia é do povão e o Vitória das elites (Epa! É só uma brincadeira). Enfim, os azuis eram religiosamente ortodoxos e vinham das classes alta e média, enquanto os verdes, trabalhadores, sendo radicais tanto na religião, quanto na política. Como essas duas facções fossem as dominantes, os brancos e vermelhos terminavam, muitas vezes sendo absorvidos pelas polarizações que provocavam. O autor, John Freely, conta que as corridas envolviam, em geral, quatro quadrigas, duas carruagens puxadas por quatro cavalos cada, ornamentadas com as cores dos seus “times”, por uma distância de dois km e meio. As atividades circenses com malabaristas, animais e atores ocorriam no intervalo das disputas. O interessante desses esportes era a paixão que despertavam e que dividia a população, levando muitas vezes a agitações, numa relação estreita com dinheiro, crime e morte. Segundo um dos cronistas, os homens chegavam a colocar os interesses dos seus “times” acima da “família, do lar, do país”. O calendário oficial, nos séculos 5 e 6, apresentava cerca de 66 feriados anuais, chegando, às vezes a 24 corridas por dia. Estas corridas eram realizadas no Hippodrome (ver imagem), uma espécie de estádio-arena, onde todas as cerimônias públicas importantes, incluindo castigos e posses eram realizadas. Por conta desses dados passei a especular, enquanto leiga curiosa, sobre a origem do termo “sangue azul”... se não viria dessa conexão nobreza-time dos azuis. Pode ser também que a relação de causalidade esteja invertida. De qualquer modo, Constantinopla, nesse período, é a cidade mais importante do ocidente. Sua história é a nossa história: triste e linda ao mesmo tempo. Sentada na poltrona eu assisto, passiva, coração e livro na mão, ao desfile das carruagens, aos dramas palacianos, massacres populacionais imensos e constantes, nessa vivência experimental e controlada que a atividade onírica permite. Esqueço, por momentos, das chacinas que logo ali, do outro lado do muro, se cometem, verdes contra verdes. Do lado de cá, podendo ser a qualquer momento expulsa pelos azuis, eu confabulo com os vermelhos saídas para um novo mundo onde os jogos possam ser virtualidades, meras simulações do que poderia ser, e não brincadeira sem graça com a vida dos outros. Por isso, o alívio do sonho é o mesmo do passado, alternativa alegre à morbidade do presente. Ai se eu pudesse esquecer que tudo isso é real... porque perdi minha inocência?

quarta-feira, 10 de junho de 2009

SUSpiros

Hoje tem aula pública do SUS no salão Nobre da Reitoria da UFBA às 18 horas. A palestrante, Sônia Fleury, é uma intelectual que pensou e ainda pensa o SUS, nosso sonho brasileiro de Bem-Estar Social. Apesar do meu humor depressivo que me faz pedir socorro (SOS) a Pirro (defesa cética contra as desilusões), e de mais outras alusões inconscientes à loucura e à imolação pelo fogo, eu ainda sou uma defensora, adoradora, amante do nosso Sistema de Saúde, admiradora de todos aqueles (trabalhadores de saúde) que lutam cotidianamente para mantê-lo em pé, vivo e atuante na sua missão-mostro de cuidar da saúde da população brasileira - toda a população brasileira, ricos e pobres, pois todo mundo usa o SUS de uma forma ou de outra. Então hoje o convite é esse, de ouvir uma mulher sábia, sobre nossa realidade sonhada e em processo de construção há 21 anos...

terça-feira, 9 de junho de 2009

Tulipas...



... observam o vermelho
dos telhados
vizinhos...

Morte Violenta

Ademar foi assassinado sábado às nove da noite em um bairro de Salvador. Ele estava sentado numa esquina perto de casa, bebendo com um amigo quando um carro escuro passou e matou os dois. Ademar era um sujeito quieto, bom, ajudava os mais necessitados do bairro, tinha 36 anos. Morreu bestamente, sem nem saber porque. Sua família sofre. Cada vez mais famílias sofrem neste desamparo urbano, de salve-se quem puder. Ademar não é mais um número nas estatísticas de mortalidade. Ele era o filho de D. Elvira. Estamos todos tristes.

O que vejo hoje?

Vejo minha trajetória enquanto sujeito do campo da saúde sempre in-conformado com o instituído, cambiante, a deixar pequenos rastros em cada caminho percorrido, a produzir deslocamentos e rupturas. As costuras desses deslizamentos projetam minha própria imagem onde eu miro, não sem um certo espanto, uma face imprevista, mas coerente com seu traçado. Posso olhar no passado em uma nítida imagem, a menina no escritório do pai a admirar a dama vendada esculpida em mármore negro. Porque a justiça é cega? Quais os pesos da sua balança? Como desce a lâmina fria e certeira? E sobre quem?