sábado, 11 de julho de 2009

Violetas tardias

Cultivava os hábitos como criava as violetas na jardineira do banheiro. Quando as folhas começavam a murchar, o caule a apodrecer, pelo excesso de líquido, trocava-as de lugar, mantendo-as por algum tempo ressequidas. Não que fosse boa de plantas e jardins. Mas o fato é que cultivava os hábitos, junto com as manias e as paixões. Muito provavelmente por esse motivo, decidiu que naquele fim de semana faria tudo a pé. De sandália baixa, ou de tênis, andaria por todos os quarteirões a fuçar odores em oito cantos, a olhar passageiros, seus cachorros, gritos e desencantos, bocas em movimentos anônimos. Saiu, pois, na direção do museu, quase em outro bairro, futucando paisagens, bandeiras coloridas, de todos os partidos, artigos de cada camelô. Não que quisesse comprar qualquer coisa, ou que quisesse, e acabou de fato não resistindo a uma longa trança, de falsos cabelos, para futuros mistérios, delírios de quem não tem o que fazer. Pasta na mão, a quase lhe pesar, quase a lhe roubar o sossego, de reles visitante avulsa, intrusa, executiva em um mundo a se oferecer em espetáculo, caminhou, minutos e minutos, fugindo do sol. O sol, este, queria-lhe suposto, brilhante, atrás dos prédios aquecidos, imponentes, sonhadores, como seu interior. Adentrava resoluta naquele caminho, quase infinito, porque estava só. Só sem ele, sentia-se só. De resto, gostava da solidão. Não que fosse mais que 50% triste. A tristeza dos seus olhos marejava apenas diante da imagem de certos olhos. Os mesmos lindos e eternos olhos. Porque emagrecemos na separação? Mas a pergunta ecoou sorrateira, e se desfez no suor dos passos largos, que se estancavam no ponto-monumento. Sim, ali um dia, tenentes morreram em rebelião. E nesse momento, de calmaria e pasmaceira, diante daquele fardamento militar, estacionado, de prontidão, desejava também rebelar-se. Queria seu boné. Queria sua arma. Queria tomar-lhe o posto de assalto, e ficar, estátua, sem nada sentir, sem nada ressentir, pelas horas de um turno inteiro. "Queria marchar, sem nada ver, exceto você, alvo da minha explosão. Seu peito rasgaria – bomba, a pulsar orgástico no adeus. Não quero que Deus nos salve. De nós, lençóis estendidos guardariam a paz, e o beijo vermelho do batom", pensou. Mas o trabalhador das armas nem se mexeu, alheio aos pensamentos da visitante. Certamente também não se interrogou sobre o que poderia estar uma moça fazendo às duas da tarde, de pleno domingo ensolarado, na portaria de um deserto museu. De modo que as perguntas não ouvidas desfilavam pela calçada de pedras, até se dissolverem, caladas, e cansadas, no banco de madeira pintado à mão. Uma vez sentada, aquietou-se por um segundo apenas, pois logo se agitou, como se a paz nunca pudesse lhe render, nem pegar desprevenida. A causa do sobressalto, o mergulho da gaivota na maré cristalina provocou um sorriso. Sorriso besta a procurar em vão uma cumplicidade inexistente: “Todos os habitantes desta cidade devem estar na praia, com exceção de mim e do guardinha... ora”. Meio tonto, indisposto, o sorriso indolente se soltou, aos poucos. Voou, perdido e atrevido, zombando alto, das pipas, das faixas, dos aviões, de si. Pousou, na lembrança de um pedido: "fica comigo". Pois que temos cada um de aprender um pouco de tudo nessa vida, a pedir e a receber, dar e a merecer, doces lágrimas, violentos beijos. A tarde se foi bem tarde naquele dia esmaecendo as sombras do tal sorriso. E ela desejou ao final a companhia amiga das suas violetas...

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